terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Sobre carrinhos, um sapato rosa e questões de gênero


Não vejo melhor forma  de começar o blog senão contando uma experiência da minha infância. Não pretendo cair no saudosismo e no sentimentalismo comum a esses assuntos, afinal, o blog não é pra falar sobre o que aconteceu ou deixou de acontecer na minha vida.

Enfim...

Quando eu era pequena - não me lembro exatamente com que idade isso começou - eu tinha um gosto peculiar em relação às meninas da mesma idade que eu. Eu brincava de boneca, mas passei grande parte da minha infância brincando com carrinhos bem pequenos que vinham embalados em uma caixa bem grande. Não me recordo o número exato, mas deviam vir uns vinte e poucos carrinhos dentro daquela caixa.

Meu pai deve ter me iniciado naquele amor por carrinhos e era ele quem bancava todos meus carrinhos novos. Fiz uma coleção enorme e amava aquilo tudo. Quando por descuido eu quebrava algum deles, ficava triste. Eu conhecia todos de cor e salteado e coloquei nome em todos.

Estranho, né? Aí você pensa, o que isso tem a ver com o assunto do blog?

E eu lhe digo que no meu aniversário de 7 anos eu convidei algumas coleguinhas da escola pra vir na minha festinha. Tudo lindo e maravilhoso até aí. No dia, meu pai me presenteou com uma caixa de carrinhos linda e na época - não sei se ainda fazem isso - colocávamos todos os presentes que ganhávamos em cima da cama pra mostrar para os convidados (coisa boba). Naquele dia, eu, com meus 7 anos de idade, senti o peso da sociedade machista e preconceituosa em que vivemos sem me dar conta da dimensão que aquilo tinha: a caixa de carrinhos lá, imponente na cama, ao lado de bonecas e panelinhas, foi motivo de gozação das coleguinhas, algo que saiu da boca delas mais por repetição de um discurso a qual elas estavam habituadas a ouvir.
E eu, envergonhada, nunca mais quis mostrar meus carrinhos para ninguém. Brincava escondida, como se fosse uma vergonha uma menina brincar com aquilo.

Depois de muitos anos após esse pequeno ocorrido que poderia, simplesmente, passar despercebido, vejo que não posso mais deixar passar em branco,  pois não quero que meus filhos sejam obrigados a brincarem com certos tipos de brinquedos só porque a sociedade determina que seja assim! As crianças devem fazer suas escolhas e isso me lembra o caso do menino Sam e seus sapatos rosa, que não é diferente da paixão que eu tinha por carrinhos.



Pra quem tá por fora da história, a mãe do Sam postou uma foto sua indo para o seu primeiro dia de aula. O que gerou muita polêmico foi o fato do menino estar usando um sapato rosa de listras. Sam disse que gostou do sapato e queria usá-lo, não por ser rosa, mas sim por ser de zebra, algo que ele adora. Sam sambou na cara dos preconceituosos!

Muitas pessoas não perceberam que são construções sociais falaciosas como: mulher deve usar rosa e homem deve usar azul, assim como menina deve brincar de casinha e menino deve brincar de bola, carrinho e diversas outras brincadeiras que estimulam a imaginação e a criatividade, ao contrário de brincar de casinha que é só uma preparação para o que acham que a mulher deve ser futuramente.


 Mesmo compreendendo que a questão é muito mais complicada do que se supõe, podemos dizer que um ser humano é do gênero feminino ou do gênero masculino por imposições sociais. É só através do convívio social e do desenvolvimento psíquico-biológico que uma pessoa pode ter ampla liberdade de escolha de seu gênero, independente de seu sexo. É por isso que, ao invés de podar a liberdade de escolha logo cedo às nossas crianças, devemos deixá-las livres para se tornarem o que elas quiserem.


1 comentários:

polaris disse...

Texto muito bom, Karen. Me lembrou de uma tirinha que, aliás, vem a calhar:
http://i.ahnegao.com.br/2012/10/brinquedos.jpg
Vida longa ao blog! :)

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